Por que Coreia do Norte e Rússia procuram fortalecer laços?
Isolados por quase toda comunidade internacional, os dois países veem benefícios em colaboração
Considerados como párias pela maior parte da comunidade internacional, a Rússia e a Coreia do Norte estão trabalhando intensamente para melhorar os laços bilaterais e expressar apoio às respectivas ambições geopolíticas na Ucrânia e na Península Coreana.
Esse apoio chegou ao ponto em que a Coreia do Norte teria oferecido milhares de trabalhadores para ajudar a reconstruir Donetsk e Lugansk, as duas autoproclamadas repúblicas no leste da Ucrânia atualmente em grande parte ocupadas pelas forças russas. Também houve sugestões de que Pyongyang estaria considerando enviar 100 mil soldados para o conflito na Ucrânia.
Na outra direção, a Rússia se juntou à China ao vetar um projeto de resolução no Conselho de Segurança da ONU, em 26 de maio, que aumentaria as sanções à Coreia do Norte após uma série de lançamentos de mísseis balísticos nos primeiros meses do ano. Foi a primeira vez desde 2006 que o Conselho de Segurança se dividiu sobre as sanções à Coreia do Norte, com Moscou alegando que a nova medida seria “irresponsável”.
Rússia se posiciona contra sanções
Moscou e Pequim – que têm se aproximado progressivamente desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro – deram um passo adiante no Conselho de Segurança ao pedir o fim de algumas das sanções impostas a Pyongyang por seu programa de armas nucleares e pelo desenvolvimento de mísseis balísticos de longo alcance.
Analistas sugerem que tanto a Rússia quanto a Coreia do Norte buscam desesperadamente amigos estrangeiros, já que grande parte do resto do mundo está posicionada contra seus regimes. Enquanto isso, a China tateia para a uma posição semelhante, devido à apropriação de terras no Mar do Sul da China e suas demandas territoriais adicionais contra Taiwan, Japão, Índia e Coreia do Sul.
“Rússia e Coreia do Norte têm uma longa história baseada em muitas posições políticas compartilhadas, mas estão se aproximando mais uma vez porque têm um inimigo comum e precisam uma da outra para resistir melhor às pressões externas”, explica Rah Jong-yil, ex-diplomata e chefe da inteligência sul-coreana encarregada de monitorar o Norte.
Para ele, a oferta de enviar trabalhadores para as regiões da Ucrânia ocupadas pelos russos é “significativa”, pois reforça o reconhecimento de Pyongyang dos governos autodeclarados de Donetsk e Lugansk.
Também serviria potencialmente como um ganho inesperado muito necessário para o Norte. Segundo jornal Izvestia o embaixador russo em Pyongyang, Alexander Matsegora, teria afirmado que o pagamento dos trabalhadores norte-coreanos seria em equipamentos industriais e trigo.
A Coreia do Norte é cronicamente carente de ambos: as sanções internacionais efetivamente proíbem as importações de máquinas para atualizar suas fábricas em ruínas, e a escassez de alimentos se generalizou.
Norte desiste de negociar com o Sul
“Parece bem claro para mim que a Coreia do Norte desistiu dos esforços para cultivar melhores relações com a Coreia do Sul e os Estados Unidos. E isso significa que realmente só tem a Rússia e a China com que contar, agora”, disse Rah à DW. “Dada a situação em que os governos de Moscou e Pyongyang se encontram, era inevitável que isso acontecesse.”
Yakov Zinberg, professor de relações internacionais especializado em assuntos do Leste Asiático na Universidade Kokushikan, em Tóquio, concorda que as histórias compartilhadas das duas nações e sua necessidade de aliados num momento em que ambas estão sob pressão internacional as tornam “parceiras naturais”.
“Muitos norte-coreanos estudaram em universidades russas no passado, e Kim Il-sung, o fundador da nação, nasceu na Rússia, antes que ela o ajudassem a tomar o poder no Norte nos estágios finais da Segunda Guerra Mundial”, explica Zinberg, natural de São Petersburgo, na Rússia. “Agora eles se veem como ‘vítimas’ desses regimes de sanções e estão procurando maneiras de contorná-las.”
Embora uma aliança implique benefícios inegáveis, Zinberg não está convencido de que a Rússia aceitará as ofertas norte-coreanas de apoio militar na Ucrânia, e acredita que Moscou ainda pode agir com cautela em termos de movimentos no Extremo Oriente que antagonizariam ainda mais outros governos da região.
“Minha impressão é que Moscou ainda está cautelosa com a região do Pacífico. Ela não pode se dar ao luxo de irritar países como Coreia do Sul, Japão ou Estados Unidos, que têm uma grande presença militar em ambas as nações.”
Medo de conflitos em duas frentes
“A Rússia tradicionalmente teme um confronto em duas frentes”, prossegue Zinberg. “Ela está fortemente envolvida na Ucrânia agora, e essa situação parece que vai se manter por algum tempo. Então, vai querer evitar qualquer situação implicando transferir forças para o Extremo Oriente.”
Em sua opinião, se for em interesse próprio, Moscou continuará oferecendo forte apoio verbal à Coreia do Norte, o que poderia ajudar a concentrar a atenção dos EUA no nordeste da Ásia em vez de na Europa central. Mas o especialista no Leste Asiático crê que a Rússia também fará questão de comunicar a Pyongyang que não poderá ir em seu socorro, caso o país avance demasiado.
“É uma parte muito volátil do mundo – a península coreana, Taiwan, navios de guerra chineses no sul do Japão, as ilhas no Mar do Sul da China. Então, Moscou vai torcer para as coisas não irem longe demais.”
Porém é inevitável as tensões continuarem aumentando, ressalva Yakov Zinberg. O ex-chefe do serviço de inteligência militar da Coreia do Sul afirmou na segunda-feira que a Coreia do Norte deve realizar em novembro seu sétimo teste nuclear subterrâneo, às vésperas das eleições de meio de mandato dos EUA.
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